terça-feira, 26 de junho de 2012

O Ator para Grotowski



Jerzy Grotowski | O Ator para Grotowski



Texto: Cristina Tolentino
cristolenttino@yahoo.com.br
Jerzy Grotowski
Quando Grotowski entrou em contato com o mundo do teatro, compreendeu que o ator que buscava, o ator que considerava absolutamente necessário para realizar seu projeto, teria que romper, em primeiro lugar, com este círculo perverso ensaios-espetáculos. Este círculo, segundo ele, encerra o ator desde o começo de sua carreira em uma rotina sufocante que chamam de "profissão" e apaga suas aspirações criativas.

Portanto, o primeiro objetivo de Grotowski ao criar o Teatro das 13 Filas foi diminuir o ritmo dos preparativos para o espetáculo; reservar cada vez mais tempo para os ensaios; deixar mais tempo livre para o treinamento. Grotowski buscou desde o início do seu trabalho um espaço pedagógico, uma escola, um laboratório, um lugar em que o ator pudesse adquirir, conservar e aperfeiçoar os elementos ético-técnicos indispensáveis para sua atividade criativa.
Dentro dessa perspectiva, os EXERCÍCIOS desempenharam um papel fundamental no Teatro Laboratório. Por meio deles, diz Grotowski: "o ator se capacita para a artificialidade e a elaboração formal, aprendendo, antes de mais nada, a superar os limites do cotidiano e o naturalismo psicológico, para conseguir, depois, a expressividade física total - a única que pode estar em condições de restituir o ator total.
Nos exercícios e no treinamento, Grotowski colocou toda a atenção no corpo e secundariamente, na palavra. Palavra esta que nasce do corpo e que, portanto, não poderá ser usada corretamente sem uma preparação física adequada. "Será um clichê estéril, naturalista, declamatório."

Os exercícios são relacionados com as mais diferentes técnicas do corpo, como: Hatha-yoga, pantomina, acrobacia, dança, diferentes esportes como esgrima e métodos de origem estritamente teatrais.
Exercícios Físicos - sobretudo ginástico-acrobáticos.

rima e métodos
de origem estritamente teatrais.
Exercícios Físicos - sobretudo ginástico-acrobáticos.
Exercícios Plásticos - divididos em exercícios mentais (tomados de Jacques Dalcroze) e exercícios de composição, provenientes do teatro oriental (elaboração de novos ideogramas gestuais).
Exercícios de máscara facial (intuídos em primeiro lugar, por Delsarte).
Exercícios vocais relacionados com a respiração.
Jerzy Grotowski, exercícios Jerzy Grotowski, exercícios
A partir de 1963, esses exercícios sofrem uma mudança de percepção e passam a ser um pretexto para a elaboração de uma forma pessoal de treinamento do ator: "um meio para localizar e remover as resistências e obstáculos que o bloqueiam em sua missão criativa e o impedem de manifestar seus impulsos vivos."
Os exercícios passam de uma concepção positiva da técnica do ator para uma concepção negativa: "este é o caminho que entendo por expressão - caminho negativo - um processo de eliminação." Segundo Grotowski, a utilização positiva da técnica no teatro, traz o risco do perfeccionismo exterior e do virtuosismo puro - uma expressão corporal entendida só em seu aspecto exterior e muscular e do próprio narcisismo. Se os atores tradicionais, em sua maioria, eram uma cabeça (ou uma voz) sem corpo, os atores do Teatro Laboratório corriam o perigo de converterem-se num corpo sem cabeça, perpetuando essa separação secular sobre a qual se edificou a civilização ocidental.
A partir dessas reflexões, Grotowski busca uma técnica que recomponha o ator - o homem na sua totalidade: mente, corpo, gesto, palavra, espírito, matéria, interno, externo.
Neste período, Grotowski destaca duas indicações para os exercícios:

  • os exercícios devem ser individuais e motivados por associações, imagens precisas - reais ou fantásticas - ou seja, tenham conteúdo.
  • a reação física deve iniciar-se sempre dentro do corpo. O gesto visível só deve ser a conclusão desse processo.

  • É o corpo-memória, o corpo-vida, imagens que projetam seu reflexo para mais além do teatro e da representação. Assim acontece quando "o homem não quer esconder mais nada: nem sobre a pele, nem a pele, nem embaixo da pele."
    Sobre este trabalho escreve o crítico Joseph Kerala, após assistir a interpretação de Ryzard Cieslak em "O Príncipe Constante" em 1965: "na interpretação do ator os elementos fundamentais da teoria de Grotowski se manifestam de modo tão preciso e tangível que oferece, não só uma demonstração de seu método, mas também os frutos estupendos que este método dá.
    Jerzy Grotowski com o espetáculo O Príncipe Constante
    O Príncipe Constante: mesmo depois da morte, o êxtase e o deslumbramento permanecem em seu rosto. Foto: Teatro-Laboratório.
    Mas a essência de tudo isto não consiste no uso que o ator faz de sua voz e do seu corpo e sim de algo muito distinto.

    Em minha profissão de crítico teatral, ainda não me havia sentido tentado a usar essa expressão trivial, que neste caso, soa como algo muito válido: é uma interpretação "inspirada". Uma espécie de luz psíquica emana do ator. Não me sinto capaz de encontrar outra definição. Nos momentos culminantes de seu papel, tudo aquilo que constitui a técnica recebe uma iluminação que vem de dentro, como uma luz literalmente imponderável. A cada momento o ator levita... se encontra em estado de graça."
    A partir de 1968, Grotowski não dirigiu nenhum espetáculo teatral. E desde 1985, veio realizando um trabalho que constituiu a conclusão do seu caminho criativo de mais de 30 anos. Este trabalho marca o quarto período de sua atividade criativa - artes rituais - que se refere aos trabalhos que realizou na Itália.
    Em 1982, durante a lei marcial, Grotowski sai da Polônia. Passa uma curta estadia na Itália e Haiti e depois vai para os Estados Unidos onde permanece como refugiado. Foi "professor de drama" na Colúmbia Universidade de Nova York.
    Entre 1983 e 1984 foi mestre da Universidade da Califórnia em Irvine, onde empreendeu o programa "Drama Objetivo".

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    Sobre o método das ações físicas .....Jerzy Grotowski



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    Sobre o método das ações físicasJerzy Grotowski


    Os atores pensavam poder organizar seu papel através das emoções e Stanislavski por muitos anos de sua vida pensou assim, de maneira emotiva.  O velho Stanislavski descobriu verdades fundamentais e uma delas, essencial para o seu trabalho, é a de que a emoção é independente da vontade.  Podemos tomar muitos exemplos da vida cotidiana.  Não quero estar irritado com determinada situação mas estou.  Quero amar uma pessoa mas não posso amá-la, me apaixono por uma pessoa contra a minha vontade, procuro a alegria e não acho, estou triste, não quero estar triste, mas estou.  O que quer dizer tudo isso?  Que as emoções são independentes da nossa vontade.  Agora, podemos achar toda a força, toda a riqueza de emoções de um momento, também durante um ensaio, mas no dia seguinte isto não se apresenta porque as emoções são independentes da vontade.  Esta é uma coisa realmente fundamental.  Ao contrário, o que é que depende da nossa vontade?  São as pequenas ações, pequenas nos elementos de comportamento, mas realmente as pequenas coisas - eu penso no canto dos olhos, a mão tem um certo ritmo, vejo minha mão com meus olhos, do lado dos meus olhos quando falo minha mão faz um certo ritmo, procuro concentrar-me e não olhar para o grande movimento de leques (referência às pessoas se abanando no auditório) e num certo ponto olho para certos rostos, isto é uma ação.  Quando disse olho, identifico uma pessoa, não para vocês, mas para mim mesmo, porque eu a estou observando e me perguntando onde já a encontrei.  Vejam a posição da cabeça e da mão mudou, porque fazemos sempre uma projeção da imagem no espaço; primeiro esta pessoa aqui, onde a encontrei, em qualquer lugar a encontrei, qualquer parte do espaço e agora capto o olhar de um outro que está interessado e entende que tudo isso são ações, são as pequenas ações que Stanislavski chamou de físicas.  Para evitar a confusão com sentimento, deve ser formulável nas categorias físicas, para ser operativo.  É nesse sentido que Stanislavski falou de ações físicas.  Se pode dizer física justamente por indicar objetividade, quer dizer, que não é sugestivo, mas que se pode captar do exterior.
    O que é preciso compreender logo, é o que não são ações físicas.  As atividades não são ações físicas.  As atividades no sentido de limpar o chão, lavar os pratos, fumar cachimbo, não são ações físicas, são atividades.  Pessoas que pensam trabalhar sobre o método das ações físicas fazem sempre esta confusão.  Muito freqüentemente o diretor que diz trabalhar segundo as ações físicas manda lavar pratos e o chão.  Mas a atividade pode se transformar em ação física.  Por exemplo, se vocês me colocarem uma pergunta muito embaraçosa, que é quase sempre a regra, eu tenho que ganhar tempo.  Começo então a preparar meu cachimbo de maneira muito "sólida".  Neste momento vira ação física, porque isto me serve neste momento.  Estou realmente muito ocupado em preparar o cachimbo, acender o fogo, assim DEPOIS posso responder à pergunta.
    Outra confusão relativa às ações físicas, a de que as ações físicas são gestos.  Os atores normalmente fazem muitos gestos pensando que este é o mistério.  Existem gestos profissionais - como os do padre.  Sempre assim, muito sacramentais.  Isto são gestos, não ações.  São pessoas nas situações de vida.  Pois sobretudo nas situações de tensão, que exigem resposta imediata, ou ao contrário em situações positivas, de amor, por exemplo, também aqui se exige uma resposta imediata, não se fazem gestos nessas situações, mesmo que pareçam ser gestos.  O ator que representa Romeu de maneira banal fará um gesto amoroso, mas o verdadeiro Romeu vai procurar outra coisa; de fora pode dar a impressão de ser a mesma coisa, mas é completamente diferente.  Através da pesquisa dessa coisa quente, existe como que uma ponte, um canal entre dois seres, que não é mais físico.  Neste momento Julieta é amante ou talvez uma mãe.  Também isto, de fora, dá a impressão de ser qualquer coisa de igual, parecida, mas a verdadeira reação é ação.  O gesto do ator Romeu é artificial, é uma banalidade, um clichê ou simplesmente uma convenção, se representa a cara de amor assim.  Vejam a mesma coisa com o cachimbo, que por si só é banal, transformando-a a partir do interior, através da intenção - nesta ponte viva, e a ação física não é mais um gesto.
    O que é gesto se olharmos do exterior?  Como reconhecer facilmente o gesto?  O gesto é uma ação periférica do corpo, não nasce no interior do corpo, mas na periferia.  Por exemplo, quando os camponeses cumprimentam as visitas, se são ainda ligados à vida tradicional, o movimento da mão começa dentro do corpo (Grotowski mostra), e os da cidade assim (mostra).  Este é o gesto.  Ação é alguma coisa mais, porque nasce no interior do corpo.  Quase sempre o gesto encontra-se na periferia, nas "caras", nesta parte das mãos, nos pés, pois os gestos muito freqüentemente não se originam na coluna vertebral.  As ações, ao contrário, estão radicadas na coluna vertebral e habitam o corpo.  O gesto de amor do ator sairá daqui, mas a ação, mesmo se exteriormente parecer igual será diversa, começa ou de qualquer parte do corpo onde existe um plexo ou da coluna vertebral, aqui estará na periferia só o final da ação.  É preciso compreender que há uma grande diferença entre Sintomas e Signos/Símbolos.  Existem pequenos impulsos do corpo que são Sintomas.  Não são realmente dependentes da vontade, pelo menos não são conscientes - por exemplo, quando alguém enrubesce, é um Sintoma, mas quando faz um Símbolo de estar nervoso, este é um Símbolo (bate com o cachimbo na mesa).  Todo o Teatro Oriental é baseado sobre os Símbolos trabalhados.  Muito freqüentemente na interpretação do ator estamos entre duas margens.  Por exemplo, as pernas se movem quando estamos impacientes.  Tudo isso está entre os Sintomas e Símbolos.  Se isto é derivado e utilizado para um certo fim se transforma em uma ação.
    Outra coisa é fazer a relação entre movimento e ação.  O movimento, como na coreografia, não é ação física, mas cada ação física pode ser colocada em uma forma, em um ritmo, seria dizer que cada ação física, mesmo a mais simples, pode vir a ser uma estrutura, uma partícula de interpretação perfeitamente estruturada, organizada, ritmada.  Do exterior, nos dois casos, estamos diante de uma coreografia.  Mas no primeiro caso coreografia é somente movimento, e no segundo é o exterior de um ciclo de ações intencionais.  Quer dizer que no segundo caso a coreografia é parida no fim, como a estruturação de reações na vida.

    De uma palestra proferida por Grotowski no Festival de Teatro de Santo Arcangelo (Itália), em junho de 1988.